A primeira vez no sexy shop

Inicio > Comportamento, Últimas Notícias > A primeira vez no sexy shop    
09/12/2016

images

Por Luciana Walther

Durante meus quatro anos de doutorado, entrevistei consumidoras de produtos eróticos, proprietárias de sex shop e funcionárias, na tentativa de entender o crescente fenômeno do consumo erótico feminino no Brasil. Minhas entrevistadas fizeram muitos relatos confessionais e profundos sobre esse tema tão íntimo, polêmico e ainda cercado de tabu e vergonha. Vários testemunhos descreviam uma primeira ida ao sex shop e foram reveladores dos temores vividos pelas consumidoras e das normas culturais que regem comportamentos femininos em nossa sociedade. A comparação entre os sentimentos naquela primeira visita e em visitas mais recentes a sex shop evidenciou transformações pessoais, principalmente se articulada com a história de vida das consumidoras entrevistadas.

Quais eram as curiosidades? Quais eram os medos? O que levou a consumidora a tomar a iniciativa de ir pela primeira vez a um sex shop? Quais eram os impedimentos que adiaram essa iniciativa? Quais são as diferenças entre a primeira visita e as visitas subsequentes? O que mudou no estabelecimento? O que mudou na consumidora?

            As respostas para essas perguntas indicaram que a primeira visita ao sex shop pode ser aciona­da pela curiosidade sobre a loja ou sobre produtos específicos em seu interior, como o vibrador, e pode suscitar vergo­nha, medo e nervosismo. Muitas entrevistadas foram pela primeira vez ao sex shop quando tinham cerca de 20 anos, algumas com amigas, como Caroline’, outras sozinhas, como Rita. Algumas acidentalmente, como Ruth, outras deliberadamente, como Claudia.

 [Descobri a loja] passando na rua. O que me chamou a atenção                                                                                                foi a vitrine. Porque tinha umas lingeries bonitas e eu gosto de                                                                                   lingerie. […] Era nos Jardins [em São Paulo]. […] Quando eu fui                                                                                          entrar é que eu percebi que era uma loja de sex shop, eu achei que                                                                                      era uma loja de lingerie. (Ruth, 56 anos)

[A primeira vez] eu fui por curiosidade mesmo. […] Queria entrar,                                                                                        ver como era lá dentro, assim uma coisa meio tabu, assim, aquela                                                                                    coisa meio fechada, uma porta que você entra, meio discretinha, você                                                                             entra corren­do, pra ninguém ver você entrando. Mas depois você vê que                                                                                é besteira, né, que muita gente entra ali. (Claudia, 35 anos).

A porta pode constituir barreira física e simbólica de difícil transposição. No interior da loja, as sensações foram variadas.

A porta era toda pintada de preto, de maneira que quando você                                                                                   adentra­va a loja, você estava escondida lá dentro. Então tinha um clima                                                                        muito assim de você enfrentar aquela porta. […]                                                                                                                       Eu tive vontade de ir embora. Era desconfortável estar lá dentro.                                                                                  Parecia que eu tava cometendo uma coisa errada. […] Transgredindo alguma coisa.                                                    Uma transgressão. […] E aquilo ali era estimulante e, ao mesmo tempo, tinha um                                                        pouco de desconforto. […] Tinha medo de ser pega. […] Alguém que eu                                                                conhecesse lá fora, […] até um desconhecido ver. (Rita, 49 anos).

Ir ao sex shop pela primeira vez na companhia de um namorado pode ame­nizar tais sentimentos, conferindo à consumidora a sensação de segurança – que é justamente o que a decoração cor-de-rosa e romântica das butiques eróticas mais atuais ou sofisticadas tenta estra­tegicamente instaurar. Quando tinha por volta dos 19 anos, Jane foi a um sex shop acompa­nhada por seu primeiro namorado, com quem tinha muita intimidade. Foi a experiência mais marcante e divertida que teve em uma loja de produtos eróticos, pois nenhum dos dois havia estado nesse tipo de estabelecimento anteriormente e tudo era novidade. Além disso, o vendedor os atendeu de maneira involuntariamente engraçada, pois recitava textos decorados sobre todos os produtos, em um ritmo que não combinava com o conteúdo do que estava sendo dito. Além de se divertir, ela diz ter se sentido muito segura por estar amparada por alguém com quem compartilhou suas pri­meiras experiências sexuais e em quem confiava muito.

A primeira visita ao sex shop pode não resultar em compra, constituindo apenas reconhecimento de território. Preços altos também podem frear a primei­ra compra. Alguns relatos que especificavam os primeiros produtos adquiridos parecem indicar que os itens qualificados pela indústria como “light” ou “sensuais” – cosméti­cos eróticos, lingerie e fantasias, como a de odalisca ou a de enfermeira – tendem mesmo a ser os produtos de entrada no consumo erótico, por serem mais baratos e por não suscitarem tanta vergonha.

[Na primeira vez] comprei umas coisas muito ridículas. Aquele gelzi­nho que esquenta,                                                 um jogo de baralho, uns dados também, calcinha também. Mas eu sempre tava a fim                                                       de comprar um pênis, assim, um vibrador. (Claudia, 35 anos).

Todas as consumidoras entrevistadas se disseram mais confortáveis no ambiente do sex shop em suas visitas subsequentes. A vergonha foi amenizada pela maturidade, por novas épocas em que consumo erótico vem sendo encarado com cres­cente abertura e também pela descoberta de outros canais de venda, como a Internet ou as consultoras de venda em domicílio, ou pela identificação de lojas preferidas, em que a consumidora se sinta mais à vontade.

No livro Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade, que será lançado em janeiro de 2017 pela Editora Mauad X, relato mais detalhadamente esses e outros achados de minha pesquisa.

Os nomes das entrevistadas foram alterados para preservar suas identidades.

Deixe um Comentário